domingo, novembro 08, 2009

Eu, personagem de Manoel Carlos

Não era a cobertura, mas o último andar e com altura suficiente para ver o lindo mar do Leblon de um dos ângulos mais exclusivos e cobiçados da cidade. E eu estava lá, na varanda, contemplando a vista numa noite quente de primavera. Era uma festa e, no interior do apartamento, a juventude bronzeada local tocava clássicos do samba e chorinho. Entre um discurso social aqui, arrecadações para uma ONG ali e uma história de aventura na costa Oeste Norte Americana acolá, eu destoava na paisagem quando me lembrava da minha situação financeira atual e minha formação tipicamente classe média suburbana. Mas e daí? Eu estava lá também, na mesma sala de frente para o mar e só isso já me dava condições de encarnar uma Helena. E foi assim que me senti, uma personagem de novela em um cenário tipicamente “global”. Me sentei nos aconchegantes sofás de griffe, conversei sobre amenidades, ri de histórias vindas de mundos distantes e até partilhei experiências práticas do cotidiano. Fui cumprimentada pela dona da incrível casa que, cordialmente, recolheu meu prato sujo e perguntou o que achei do jantar servido. Ouvindo meu comentário empolgado e elogioso, educadamente me ofereceu mais dizendo: “Fiquei à vontade para repetir. Fico feliz que tenha gostado”. Ali percebi claramente que não importava de onde eu vim. Aposto que ela nem imaginava que peguei dois coletivos e que, até aquele momento, não fazia a menor idéia de como voltaria ao meu humilde lar suburbano. A verdadeira educação não conhece fronteiras. E ver aquela mulher, claramente no topo da sociedade, em atitudes e gestos tão simples e humildes me fez voltar a gostar de viver aqui nesse mundo estranho.