sexta-feira, setembro 10, 2004

O imortal da Glória

Conquistou minha confiança ao longo dos anos. Um tempo em que parecia arquitetar tal golpe. Até o grande dia em que me atraiu até sua morada. Se armou de argumentos e motivos, fez as horas correrem rapidamente até o ápice da noite. Seduziu-me com histórias do nosso passado e, ajoelhado ao meu lado me dominando com o olhar, cravou seus dentes em minhas veias sugando meu sangue. O bastante para me deixar indefesa.

Fraca, mas consciente, observava seus trejeitos. Ele me sorria e acarinhava meu rosto com delicadeza. Em nada se assemelhava ao monstro que se tornara ao revelar-me seus perversos caninos. Seus indecifráveis olhos escuros que nunca me deixaram ver o que se passava em seu coração. E que coração? Jamais pude ouvi-lo ou sentir o seu bater. Todos as pistas sempre estiveram à minha frente, mas nunca suspeitei. Agora, acuada no canto do sofá, unia as peças e esperava meu fim.

Não sentia mais meu corpo, aos poucos tudo adormecia, pernas, braços. Mal consegui manter meus olhos abertos e ele continuava ali, me admirando. Parecia esperar minha morte que vinha lentamente. Cruel. Conformei-me em ter aquilo como última visão: um homem lindo a quem eu sonhava um dia pertencer.

Era isso que tinha em mente quando ele levantou-se bruscamente e, num rompante, cortou seu pulso. O sangue escorria por sua mão. Cerrei meus olhos e senti um liquido quente entre meus lábios. Escorria garganta abaixo resfriando meu corpo já inerte. Meu coração parou, o ar não entrava mais em meus pulmões. Sentia cada artéria de meu corpo congelar. Uma dor impensável.

Senti frio. Abri meus olhos e ainda estava lá, no mesmo sofá. A sala vazia, nenhum vestígio de sangue nem de ninguém. Ele não estava mais ali. Levantei devagar e, atordoada, corri até o espelho mais próximo. Examinei meu pescoço, nenhum sinal. O apartamento vazio me deu a certeza de que tudo foi um sonho ruim. Sai pela porta sem olhar para trás.

Mais de um ano e eu não esqueço essa noite. Minhas mãos frias e minha fome insaciável me fazem crer que não foi um sonho. Ele me tirou a vida e me deu outra. Sou parte dele agora. Por toda eternidade.

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