domingo, maio 02, 2004

Arcaico contemporâneo

A vida anda pesando nos ombros ultimamente e, como de costume, tento desenvolver teorias sobre o assunto. Na realidade é mais um de meus jogos, só para ver se as respostas aparecem no meio de milhares de suposições tolas.

Sexta-feira revelei numa mesa de bar, frente meus amigos mais queridos, a última teoria que paira sobre minha cabeça. A de que as casadas são mais felizes."A vida seria mais fácil se eu estivesse em casa agora assistindo TV e esperando meu marido chegar com o jantar pronto e uma pilha de roupas sujas dele para lavar no dia seguinte".Caras de espanto ao meu redor e as exclamações: "Ta louca?!"; "Não te dava um mês de vida!"; "Nenhum homem merece esse sacrifício". (detalhe importante: esta última foi dita por um homem).

Meus amigos são como eu, pessoas que correm atrás da sua própria vida desde sempre. Cheios de idéias e ideais, não se deixam a abater pelos obstáculos. Todos solteiros, alguns relacionamentos descontinuados e só um amor para sempre: o que nos une há mais de 13 anos.

De volta a teoria, comparei a vida cômoda e "segura" de um lar com um relacionamento "estável" e doméstico com a minha vida louca. Acordar cedo para trabalhar, pegar 2 ônibus até um set de gravação no fim do mundo e levar um chá de cadeira de 4 horas para salvar uma pauta que nem era minha. Depois mais 2 ônibus na correria para resolver problemas financeiros (sim, eu tenho isso também). Engarrafamento, perder um compromisso de trabalho e ir parar numa mesa de bar com velhos amigos às 2 da manhã teorizando sobre a vida e bebericando algo que contenha álcool. Voltar para casa na alta madrugada tão sozinha quanto saiu, lá pelas 7 da manhã.

Inevitável não pensar que a mocinha que tem sua casa e seu maridinho está mais tranqüila. Mesmo que ele passe muito tempo fora de casa, que chegue tarde ou até tenha outra na rua. Ela não vai acordar cedo preocupada com o trabalho e ter um dia como o meu. Vai fazer café calmamente, passar uma vassoura na casa, enquanto eu estou na redação catando gente pelo telefone e, algumas vezes, ouvindo desaforos. Ela talvez estará com almoço pronto e vendo programa de fofocas na TV enquanto eu cato os equipamentos para mais uma cobertura na rua. E a noite enquanto eu calço minhas meias para esquentar meus pés, tem alguém ao lado dela fazendo isso de jeito mais gostoso. Isso quando eu não decido ficar na rua até mais tarde para ver o que acontece e me arrependo. É impressionante a quantidade de criança e homem bobo que se aglomera nos bares e boates dessa cidade.

Na verdade não fui educada para ser a mulher que sou hoje, preciso romper com minhas origens todos os dias. Amo meu trabalho e minha formação, admiro minha força, minha inteligência, acho mesmo que sou alguém especial. Mas pago um preço alto por ser assim, alguém que contesta sua natureza.

Talvez tudo isso seja apenas um delírio, um resultado de um dia ruim. Mas hoje, domingo, enquanto estendia minhas roupas lavadas no secador e era observada atentamente pelo meu cachorro (ele sempre faz isso, fica observando tudo que faço com tanta atenção que parece que vai fazer igual em seguida), lembrei mais uma vez dessa teoria e me imaginei no papel da dona do lar, tão doméstica quanto meu cão e muito à vontade nesse personagem.

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