segunda-feira, março 01, 2004

Carlinhos Brown, o bruxo da Bahia

Inúmeras vezes torci o nariz para o velho Brown. Desde quando um namorado precisava ficar até mais tarde no estúdio arrumando as bagunças que o músico aprontava, por conta de suas loucas experiências para gravar seu disco. Carlinhos começou a ganhar minha antipatia neste momento. Mas na verdade, nada era tão grave assim. Cheguei a defender o músico no Rock in Rio 3, quando aquela chuva de garrafas quase o impediram de cantar. Injustiça histórica do público aquela cena.

Admito que já cantarolei algumas de suas canções, principalmente aquelas que compôs com seus inusitados parceiros Arnaldo e Marisa. Contrariando o apelo comercial da música de trabalho, achei o projeto bem cuidado, com qualidade. Sou mesmo fã do Arnaldo Antunes, mas nem assim comprei o disco de Carlinhos, nem trio, nem solo.

Lembro de um show há alguns anos, no Armazém 5, zona portuária do Rio de Janeiro, onde Carlinhos Brown era uma das atrações numa noite que tinha até Ed Motta. É claro que fui até lá para ver o Ed, que encerraria a noite comandando as pick ups, algo indescritível. Mas Brown estava lá e cantaria também. Eu estava lá e, inevitavelmente, dançaria até cansar. Lembro dele descendo do palco e se jogando no meio do público para dançar com a galera, uma noite pra lá de divertida. Mas ainda assim, nada que me fizesse atentar para o trabalho do cara.

Há um mês cruzei com ele em Salvador. Festival de Verão, alegria, confraternização geral. Já na passagem de som o cara se revelava um músico exigente e atento. Mesmo atrasado, corria e conferia tudo. "Vamo lá gente, o povo já chegou", dizia ele, ovacionado pela platéia que já chegava para os shows da noite. Na ocasião ele atendia como Carlito Marrom, vestia blusas com mangas enormes, tal qual as vestimentas típicas dos cubanos. Figurino que acompanhava a sonoridade de grande parte do show, um bom show. Um pouco longo para mim, mas um bom show.

Em certo momento, já cansada de tudo aquilo, cheguei a brincar: "Esse cara incorporou o Naná Vasconcelos e o Hermeto Paschoal ao mesmo tempo. Tem que chamar um guia para mandar subir os dois espíritos ou o show não vai acabar mais". Puro sarcasmo.

Mas tudo mudou na sexta pela manhã. Carlinhos Brown me ligou. Conversamos por pouco mais de 20 minutos, mas já foi mais do que o suficiente para descobrir uma pessoa apaixonada pelo meu país, pela minha cultura e, acima de tudo, pela cidade dele, Salvador. Nada do que percebi em suas palavras estava em pauta, o assunto vagava por caminhos mais específicos, mas ele deixar escapar sua paixão em cada detalhe foi o ponto alto da nossa conversa e o que fez toda a diferença na minha mudança de opinião.

Empreendedor incansável, otimista, criativo, assertivo, Carlinhos Brown ganhou minha admiração por motivos outros que não sua música. Agora terei mais carinho ao ouvir seus trabalhos, independente do estilo que adotar, contrário ou não ao meu gosto, o respeito às suas idéias e atitudes será o grande motivo.


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